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Livro "Tawé, Nação Munduruku, Uma Aventura na Amazônia" – parte III

Paulo Giardullo

Nas duas colunas anteriores eu escrevi sobre o livro Tawé, Nação Munduruku, Uma Aventura na Amazônia, escrito por Walter Andrade Parreira, psicólogo e professor universitário em Belo Horizonte, na FUMEC, narrando uma viagem que ele e sua esposa Kika fizeram a uma aldeia indígena, nos anos 70. A aldeia era da Nação Munduruku, ou Mõnjoroko, então isolada no alto do Rio Cururu, no norte do Brasil. Na primeira coluna, falei sobre os antecedentes que “me levaram até o livro” ou que me tornaram mais receptivo a ele, incluindo as experiências com o professor de sociologia, Leone, na época da faculdade de História, que nos falava sobre a beleza dos valores indígenas. Em contato com Walter, autor do livro, fiquei sabendo que Leone fora seu aluno e agora, ligando os fatos, percebi o quanto de Walter e de sua aventura estavam nas aulas do meu professor. Na segunda coluna, falei mais sobre a aventura de Walter em si e sua narrativa do modo de vida dos Mõnjoroko, observados por ele, de uma perspectiva privilegiada.

Hoje quero falar um pouco mais sobre a viagem de Walter e Kika e sobre as ameaças que os Munduruku e os povos indígenas em geral, estão sofrendo.

Uma das coisas que me chamou a atenção em Walter, na narrativa de sua viagem, foi o respeito que ele e Kika souberam ter para com aquele povo indígena isolado. Eles procuraram intervir o mínimo possível na cultura deles. Evitaram dar-lhes presentes que alterassem sua rotina ou que os tornassem dependentes daquele produto do homem branco. Um exemplo claro desse respeito é o “código Tawé”, uma maneira diplomática, polida, mas dura, austera, do chefe dos Munduruku, Tawé, fazer pedidos a Walter, que na verdade eram ordens de como se comportar em seu território. Tawé dizia a Walter, por exemplo: “Sô Valto (era como ele chamava o Walter) se o senhor quiser ajudar a remar agora, pode”; “Sô Valto, se o senhor quiser dormir agora, pode”. O jeito lacônico de se expressar e a austeridade educada de Tawé se justificam pela tradição guerreira dos Munduruku e pela situação delicada que vivem, com suas terras e sua cultura constantemente ameaçadas pelo homem branco. Walter e Kika tiveram tato para entender isto e somente por esta razão, conseguiram a concessão especial de poderem visitar aquele povo.

Na época da viagem, nos meados da década de 70, Walter já percebeu a situação frágil dos povos indígenas, sofrendo a pressão da expansão do homem branco para dentro das florestas e de suas terras. Quando Walter conheceu Tawé, o chefe dos Mõnjoroko voltava de um congresso de chefes indígenas, em que discutiram ações possíveis frente ao avanço dos civilizados, que entre outras atrocidades, forneciam bebida alcoólica e outros produtos dos brancos, para os índios das aldeias, cujas terras lhes interessavam, procurando corromper-lhes e enfraquecer-lhes, para dominá-los e expropria-los. Tawé lamentava o fato de muitos indígenas serem atraídos por estas armadilhas. E o pior de tudo é que a FUNAI, fundação do Estado para apoiar os índios, era conhecida na visão dos próprios chefes indígenas, com a pesada sigla: “Fundação Nacional para Acabar com o Índio”, tamanho seu comprometimento com os interesses dos fazendeiros e madeireiros. A raposa tomando conta do galinheiro?

Hoje mais do que nunca, a discussão sobre o quadro de instabilidade dos povos indígenas, mostrado pela narrativa de Walter, se torna atual, quando estão em pauta as preocupações ecológicas e a expansão do homem branco, “civilizado” sobre as terras e cultura dos “povos da floresta” tomam maior visibilidade e voracidade. Continua...

(Diário de Pará de Minas - Pará de Minas, MG - 23/07/08)

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